Tenho dito, talvez com exagerada frequência, que vivemos a era de intolerância. Parece que ninguém mais se dispõe a conversar, ninguém tem tempo ou paciência para discutir de forma civilizada as diferenças, das quais resultam as contrariedades e os conflitos. E contrariedades e conflitos ficam longe da mesa de discussões. O que se quer é judicializá-los, como se o judiciário fosse um Ente Superior, uma espécie de deus mítico estruturado, hábil e capaz de resolver todas as contendas, pouco importando a dimensão, o valor econômico ou a substância ético-moral das mesmas.
E aí, o judiciário, que é composto por seres humanos e padece da falta de recursos adequados para solução rápida dos infindáveis conflitos que lhe são submetidos, é atacado sem qualquer cerimônia e vilipendiado como sendo um poder inacessível e arrogante. Quando não, simplesmente, execrado e taxado de venal.
Quando obtemos uma decisão favorável, incensamos o judiciário. Quando não, no mínimo o acusamos de incapaz de realizar "justiça". Justiça, que, do ponto de vista da prestação jurisdicional do Estado, hoje, é aquilo que nos é favorável, que atende nossos reclamos e demandas.
De outra parte, em nossa vida cotidiana, também não temos mais paciência para o enfrentamento de nenhum tipo de contrariedade. Não gosto, não concordo, meto o sarrafo, xingo, esculhambo (minhas ideias e pontos de vista estão sempre certos e os outros, que os contrariem, sempre errados).
A Dialética - instrumento de evolução da sociedade, a partir da qual processos democráticos se firmam e afirmam, pela formação da vontade da maioria -, já era! A Dialógica morreu sem se afirmar! A alteridade, isto é, a capacidade de se colocar no lugar do outro, é sonho tornado real por não mais que meia dúzia de pessoas.
Isso é apenas reflexo da Internet, subproduto das redes sociais, que mascara rostos, que omite identidades, que é cortina encobridora do covarde anonimato? Penso que, em parte, sim. Por que, vezes sem conta, mesmo quem não se socorre da covardia do anonimato, mesmo pessoas sabidamente inteligentes e tidas como educadas e com boa formação cultural se deixam, no uso dessas ferramentas, levar pelo roldão da irresponsabilidade decorrente da paixão desmesurada por ideias, causas e pessoas.
E, por favor, não me entendam contrário ao devotamento a quaisquer causas ou que eu condene a paixão por ideais, dos quais decorrem os sonhos que fazem o mundo se mover, apesar das desigualdades e das injustiças. De tudo, só não me agradam mesmo o culto à personalidade e à ideia do salvacionismo, Ou, para ir um pouco mais longe, ao messianismo sebastianista, que parece se rejuvenescer apesar dos séculos passados desde a batalha de Alcácer-Quibir, em que o jovem rei português D. Sebastião foi morto pelos mouros sem que seu corpo fosse encontrado, dando origem à crença popular de que El Rey retornaria para resgatar a dignidade do povo português e salvar o país de Felipe II, da Espanha, que ascendeu ao trono lusitano, após acirrada disputa, dada a ausência de herdeiros do monarca morto no campo de batalha.